Já ouviu falar sobre o movimento “Pedalar sem Idade”? O SAPO falou com Margarida Quinhones, presidente da associação sem fins lucrativos, que está ligada à rede internacional “Cycling Without Age” e pretende “devolver o direito ao vento dos cabelos”.
O que é o movimento “Pedalar Sem Idade”? Qual é o significado da frase “devolver o direito ao vento dos cabelos”?
O movimento “Pedalar Sem Idade” consiste, na prática, na organização de passeios regulares de “trishaw”, veículos de três rodas equipados com um assento confortável, semelhante a um sofá. Contudo, é muito mais do que simples voltas de bicicleta, uma vez que oferece a idosos e pessoas com mobilidade reduzida uma experiência de convívio, descontração e liberdade.
A iniciativa já está presente em doze regiões, de norte a sul, do país: Almada, Cascais, Castelo Branco, Castro Verde, Coimbra, Guimarães, Lisboa, Mafra, Sintra, Torres Vedras, Vila Franca de Xira e Vila Real de Santo António.
“Devolver o direito ao vento dos cabelos” representa o direito a sentir coisas normais, mas tão importantes, como o vento no rosto e a liberdade de respirar o ar da rua, num simples passeio de bicicleta.

Onde nasceu e como chegou a Portugal?
A Pedalar Sem Idade é uma iniciativa inspirada no movimento internacional dinamarquês Cycling Without Age, desenvolvido por Ole Kassow. Em 2018, chegou a Lisboa com o nome “Pedalar Sem Idade – Associação de Apoio à Terceira Idade”, pelas mãos de Rui Guedes de Quinhones. O nosso fundador descobriu e apaixonou-se por esta ideia num processo de pesquisa online, enquanto procurava uma solução sustentável para entregar refeições ao domicílio a pessoas que não conseguiam sair de casa.
Os passeios tiveram início, em Lisboa em 2019. Em 2021, o projeto passou a denominar-se Pedalar Sem Idade Portugal, representando, desde então, o nosso país e partilhando com orgulho os mesmos valores e missão do movimento original, ao devolver diariamente o “direito ao vento nos cabelos” e o “direito a pertencer” a quem mais precisa.
Qual é o objetivo deste movimento?
O nosso principal foco reside no combate ao isolamento social indesejado e à solidão de seniores e pessoas com mobilidade reduzida. Para isso, disponibilizamos passeios regulares de “trishaw” conduzidos por voluntários devidamente formados para o efeito. É verdadeiramente gratificante perceber, a cada dia que passa, que conseguimos mudar a vida de tantas pessoas através de uma atividade tão simples como a de oferecer um passeio de bicicleta.
Considera que este movimento está a combater o isolamento social dos idosos em Portugal?
Sim, sem dúvida. Sendo o nosso país um dos mais envelhecidos do mundo, o isolamento social acaba por ser um problema ainda mais real e sério na nossa sociedade, uma vez que as perdas de mobilidade, de autonomia e de relações, associadas ao envelhecimento, contribuem para o sentimento de solidão. Contudo, esta é, ainda, uma questão invisível, exigindo uma solução como a Pedalar Sem Idade para a reconhecer e solucionar.
Este movimento promove o envelhecimento ativo, o convívio, as relações e o sentido de pertença à vida na comunidade, devolvendo, assim, a dignidade e o sorriso, que tantas vezes o isolamento social retira.
Para além disto, os resultados estão refletidos no rosto dos que participam nos nossos passeios e isto é o que nos importa. Ouvimos relatos como “hoje foi o primeiro dia, durante um mês, em que não chorei”, ou “adorei a experiência, tive a oportunidade de ‘viajar’ por tantos locais em tão pouco tempo”, ou ainda “acho que é uma coisa muito boa, que nos faz sair de casa e nos faz sentir muito bem”.
Também os números confirmam esta nossa perceção. Um estudo de impacto que realizámos no âmbito da Portugal Inovação Social mostrou que mais de 84% dos nossos passageiros reduziram o nível de solidão e de forma significativa. É, de facto, gratificante que um gesto tão simples para nós alegra os dias, e transforma a vida, de tantas pessoas.
Como funciona o movimento e como se pode tornar voluntário?
Os passeios são agendados regularmente com passageiros provenientes de instituições parceiras, como lares, centros de dia, entre outros, ou com “particulares”, ou seja, pessoas que vivem nas suas casas e que chegam até nós, muitas vezes, através de vizinhos, familiares ou outras redes de contacto. Tanto para ser passageiro como para se tornar voluntário, as inscrições podem ser feitas através do website da Pedalar Sem Idade Portugal: www.pedalarsemidadeportugal.pt
Os voluntários são essenciais para a realização da nossa atividade, desde os que pedalam até aos que nos ajudam a gerir os diferentes capítulos. Estamos profundamente gratos por poder contar com tanto empenho e dedicação por parte destes verdadeiros embaixadores do projeto.
Para pedalar, os voluntários devem frequentar uma formação obrigatória prévia, que garante o conforto e a segurança dos passageiros. Esta formação inclui uma sessão teórica online com duração de uma hora, complementada por sessões práticas presenciais com, pelo menos, duas horas no total.
Após esta etapa, o voluntário está certificado e apto a pedalar, sendo os primeiros passeios acompanhados por um responsável ou por um voluntário mais experiente da Associação. Promovemos também o voluntariado corporativo, que funciona através de parcerias com empresas que se juntam à Pedalar Sem Idade Portugal, permitindo que os seus colaboradores usufruam desta experiência.
“A Chamada da Solidão” ganhou destaque em Portugal através de uma campanha da Fundação “la Caixa”. Como nasceu?
A campanha “A Chamada da Solidão” surgiu no âmbito da comemoração do Dia do Idoso e foi organizada pelo programa Sempre Acompanhados, criado pela Fundação “la Caixa” com o objetivo de responder a um dos maiores desafios sociais da atualidade: a solidão não desejada.
Com uma abordagem centrada na prevenção, o programa foi lançado em Portugal em 2022, em colaboração com entidades locais e com a Câmara Municipal de Lisboa, com o intuito de criar comunidades mais atentas, próximas e solidárias. A Pedalar Sem Idade Portugal é uma das entidades parceiras do Centro Social Paroquial do Campo Grande, instituição responsável pela dinamização do programa na cidade de Lisboa.
Quais são os principais objetivos da campanha promovida pela Fundação “la Caixa”?
Esta campanha surge como forma de “dar voz” a este problema muitas vezes invisível. Através de testemunhos reais e de uma comunicação muito empática, o propósito foi o de quebrar o silêncio e o estigma que ainda envolvem a solidão, sensibilizando a sociedade para o impacto que a mesma tem na vida de milhares de pessoas, especialmente dos mais velhos.
A ideia desta campanha de comunicação foi criar um movimento de consciencialização coletiva, mostrando que todos temos um papel a desempenhar, seja através de uma conversa, seja por meio de um gesto simples ou de uma presença atenta. O objetivo foi, precisamente, transformar a empatia em ação, ligando pessoas e (re)construindo relações de escuta.
Em que consiste esta campanha?
Esta campanha teve origem em Espanha e convidava as pessoas a “parar e escutar”, tendo sido colocada uma cabine telefónica num jardim na cidade de Granada. O telefone tocava e quem passava no jardim ouvia gravações de testemunhos reais de seniores que viviam sozinhos, o que contribuiu para o reconhecimento da sua condição, a empatia social e o compromisso de intervenção comunitária.
A campanha utilizou uma abordagem emocional, com protagonistas reais e gravações de voz e vídeo, ou seja, uma chamada à ação simples, como dar um “olá”, ou escutar quem está ao lado. No fundo, reforçou que a empatia e o vínculo social são intervenções importantes para o bem-estar e para a saúde mental.
Existem outras iniciativas que ajudem a combater a solidão na terceira idade em Portugal?
Sim e ainda bem. Ficamos muito contentes por saber que são vários os projetos que procuram resolver o mesmo problema que nós. Estamos todos a trabalhar na mesma direção, procurando solucionar questões sociais graves e importantes na nossa sociedade.
O que motivou a organização de um evento de “Slow Dating” no âmbito do Dia do Idoso?
Inspirámo-nos numa campanha realizada em Espanha para organizar um evento que sensibilizasse para questões sociais semelhantes. Em Lisboa, o Centro Social Paroquial do Campo Grande, em parceria com a Pedalar Sem Idade Portugal, promoveu o “Slow Dating”, uma iniciativa que consistiu em conversas entre duas pessoas desconhecidas a bordo de um trishaw. Uma dessas pessoas era um “conversador profissional”, ou seja, um participante do Programa Sempre Acompanhados.
Uma das mensagens-chave transmitidas foi a de que todos podemos contribuir para que outras pessoas deixem de sofrer com a solidão.
O evento reforçou a ideia de que este sentimento não se resume à ausência de companhia física, mas também à falta de atenção, escuta e conexão social.
O nosso principal objetivo foi celebrar o Dia do Idoso e destacar a importância de homenagear os nossos seniores. Procurámos promover atividades comunitárias, incentivar o envolvimento de todos nas dinâmicas sociais e criar um espaço inclusivo de convívio e solidariedade.
Em que consistiu esta atividade e como foi recebida pelos participantes?
A atividade teve como inspiração o tema “A chamada da solidão” e foi muito bem acolhida. Contou com a participação de 28 seniores que, ao longo de uma manhã, puderam conviver, passear e conhecer novas pessoas, tudo ao ar livre e fora da rotina sedentária habitual.
Que objetivos sociais e emocionais se pretendem alcançar com este tipo de iniciativa?
Esta iniciativa foi importante para promover a participação, o convívio e o envolvimento de seniores e pessoas com mobilidade reduzida na vida comunitária. Conseguimos reforçar o compromisso o compromisso da Pedalar Sem Idade Portugal com a mobilidade inclusiva, o envelhecimento ativo e o combate à solidão, proporcionando momentos de alegria, bem-estar e liberdade. A experiência uniu gerações e contribuiu para sensibilizar a comunidade sobre os desafios da solidão e do isolamento social.
De que forma o “Slow Dating” pode ajudar a combater a solidão e promover novas amizades entre os idosos?
Por promover o convívio e a interação, o “Slow Dating” incentivou o diálogo e o envolvimento social. Foi uma iniciativa que convidou os idosos a sair de casa e a participar ativamente, conhecendo pessoas de diferentes idades, com experiências e histórias diversas. Esta troca de vivências ajudou a criar laços e a combater o isolamento, promovendo novas amizades e uma maior integração social.