Atos simples como beber café na rua, rever antigos vizinhos ou observar crianças a brincar na escola: é isso que o “Pedalar Sem Idade Coimbra” proporciona a quem usufrui dos seus passeios ao ar livre. O projeto tem como objetivo combater a solidão dos seniores e pessoas com mobilidade reduzida, tirando-os de casa e levando-os à descoberta da cidade a bordo de um trishaw [bicicleta]. A iniciativa chegou à região em agosto do ano passado e, desde então, já foram realizados 157 passeios, devolvendo a 128 passageiros o contacto com a comunidade.
“Os números estão abaixo daquilo que nós desejaríamos”, confessa Leonor Pedro, Diretora-Executiva da Pedalar Sem Idade Portugal, em declarações ao “O Despertar”. Isto porque a iniciativa teve dificuldades em reunir um grupo de voluntários ativo. “Nós formamos 40 voluntários, no entanto, apenas 17 é que, de facto, cumprem os passeios mensalmente. Isto é um processo”, acrescenta.
A responsável admite, porém, que a situação está a melhorar e que, “neste segundo ano, haverá um salto grande nos números”, visto que “tem sido feito um trabalho maior junto da comunidade. Para nós, isso é fundamental”.
Iniciativa teve início na Dinamarca
A Pedalar Sem Idade é a representante, em Portugal, de um movimento internacional denominado “Cycling Without Age”. Com uma década de existência, o projeto nasceu na Dinamarca e pôs pilotos voluntários, devidamente formados, a realizar passeios de bicicletas adaptadas – as chamadas “trishaws”. O intuito passa por permitir que os passageiros se sintam valorizados, integrados e ativos na sociedade.
Atualmente, a iniciativa integra uma rede de mais de 50 países, fazendo a diferença na vida de milhares de pessoas. Em Portugal, já marca presença em 12 cidades, tendo celebrado, no passado mês de agosto, o seu primeiro ano de atividade em Coimbra. “O município tinha esta vontade e nós conseguimos trazer o projeto para a região com a ajuda do Prémio Fidelidade Comunidade, que financia os dois primeiros anos de trabalho, ou seja, até junho do próximo ano”, revela Leonor Pedro.
Todos os passeios são realizados em cinco percursos pré-definidos. Para que estes possam acontecer de forma saudável e segura, são necessários três ingredientes: a bicicleta adaptada, os passageiros e os voluntários. Estes últimos passam sempre por uma formação teórica e prática antes de entrarem em ação. “Normalmente, nos primeiros passeios, são sempre acompanhados por um ‘buddy‘, um voluntário mais experiente ou o próprio formador. Isto até que a pessoa, de facto, tenha confiança e possa seguir sozinha”, explica a responsável.
Passeios são gratuitos
Qualquer pessoa pode agendar um passeio, através do site do projeto, para alguém que esteja em situação de isolamento. Estes são totalmente gratuitos para os beneficiários que, de uma forma ou de outra, vão chegando à iniciativa. “A maior parte são pessoas que vêm de instituições, às quais conseguimos chegar através dos diretores técnicos”, conta Leonor Pedro.
Todavia, está também a ser implementado um protocolo nacional, que vai permitir que entidades como a Polícia de Segurança Pública (PSP) ou a Guarda Nacional Republicana (GNR) referenciem casos de cidadãos que estão isolados, fazendo a ponte entre a Pedalar Sem Idade e as pessoas.
No geral, o propósito é que quem recorre a esta ação não a encare apenas como uma atividade turística, pontual e divertida. De acordo com a diretora executiva, é muito mais do que isso. “Queremos que estes passeios façam parte da agenda dos beneficiários; que estes possam contar semanalmente, ou quinzenalmente, com estes passeios e que sintam que, pelo menos, naquela hora, vão ter alguém dedicado a ouvi-las e a mimá-las”, sublinha.
Sob o mote “pelo direito ao vento nos cabelos”, este é um apoio que traz inúmeras mais-valias para quem dele usufrui. A primeira, passa por sentirem que voltaram a fazer parte da comunidade. “Deixam de sentir que vivem numa bolha e que só sabem das coisas através das notícias. No fundo, é trazer normalidade e naturalidade à vida destas pessoas”, salienta Leonor Pedro.
Além disso, acresce a questão da autoconfiança. “Quando temos atenção e sabemos que somos valorizados, isto tem muito impacto ao nível da saúde mental, mas também o pode ter em termos de saúde física, porque está tudo interligado”, frisa ainda.
A tudo isto, junta-se também a relação entre diferentes gerações. “Muitas vezes, os voluntários são mais novos do que os passageiros e haver este contacto é muito bom. Por vezes, os voluntários são imigrantes, ou são pessoas que mudaram de cidade, e poder passear quem sempre viveu ali dá-lhes um outro conhecimento da cidade. É uma perspetiva muito rica e diferente”, reitera.
A cidade de sempre sob um novo olhar
Este olhar diferente sob a cidade também chega aos beneficiários da Pedalar Sem Idade Coimbra. A bordo de uma bicicleta, depois de tantos anos limitados à sua própria solidão, esta é uma forma de verem o local que habitam com outros olhos. “Às vezes, os passageiros já não passam naqueles sítios há muito tempo e notam as diferenças. Alguns, chegam mesmo a conhecer sítios novos. Tivemos o caso de um senhor que nos disse que já não via o Rio Mondego há três anos”, afirma Leonor Pedro.
São muitos os casos de conimbricenses que, no último ano, se têm reencontrado com a cidade graças a este projeto. Para que o sucesso continue a crescer, a iniciativa apela a que mais voluntários se juntem aos que já colaboram com a atividade. “Nós dizemos que a idade mínima são os 18 anos, mas abrimos algumas exceções para os 16 anos com a autorização dos pais, mas depois não há idade máxima”, garante a responsável.
Nesse sentido, a realizar os passeios “temos muitas pessoas que estão, ou em pré-reforma ou já recém-reformadas; estão fisicamente bem, têm tempo e acabam por integrar o projeto”, indica, realçando que “a bicicleta tem apoio elétrico, o que dá uma grande ajuda. É sempre preciso pedalar, o que implica algum esforço e energia. É ainda importante a vontade de estar com pessoas”.
Uma vontade que, cada vez mais, se faz sentir nas gerações mais jovens. “Alguns dos voluntários mais novos juntam-se a nós para combater a própria solidão. É engraçado como a nossa missão é combater a solidão junto dos mais velhos, mas acabamos por poder também fazê-lo junto dos jovens”, orgulha-se.
Portugal é, atualmente, o segundo país da Europa mais envelhecido, sendo apenas ultrapassado pela Itália. Esta realidade traz diversos desafios, sobretudo, no que diz respeito à solidão. Desta forma, Leonor Pedro garante querer continuar “a alargar e expandir” o projeto a mais localidades portuguesas.
De momento, a Pedalar Sem Idade está presente em Almada, Cascais, Castelo Branco, Castro Verde, Coimbra, Guimarães, Lisboa, Mafra, Sintra, Torres Vedras, Vila Franca de Xira e Vila Real de Santo António. No futuro, “pretendemos chegar a mais sítios e continuar a combater a solidão”, remata.